ESTABELECIMENTOS REGISTRADOS

PROFISSIONAIS INSCRITOS ATIVOS

Parecer DJ/CRF nº 03/2013

São Paulo, 21 de janeiro de 2013.

 

Consulta-nos a D. Comissão de Educação do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo sobre a possibilidade de fiscalização das disciplinas e demais componentes curriculares, cuja ministração é privativa de profissionais farmacêuticos nas Instituições de Ensino Superior (IES), conforme Resolução nº 482, de 30 de julho de 2008, editada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF).  

 

A presente consulta pauta-se, portanto, no intuito de fiscalizar a presença do farmacêutico como Professor de Magistério de Nível Superior nas disciplinas em que sua presença é obrigatória, a teor do que dispõe o artigo 2º, da Resolução nº 482, do CFF, in verbis:

Artigo 2º - Os professores que ministram matérias, disciplinas, unidades, módulos, conteúdos e/ou componentes curriculares abaixo relacionados deverão ser graduados em Farmácia:

a) Introdução às ciências farmacêuticas;

b) Química farmacêutica e/ou química medicinal;

c) Planejamento, desenvolvimento e síntese de fármacos;

d) Farmacotécnica;

e) Homeopatia ou farmacotécnica homeopática;

f) Farmacognosia, biofarmacognosia, farmacobotânica e/ou produtos fitoterápicos;

g) Tecnologia farmacêutica e/ou Tecnologia industrial farmacêutica;

h) Controle de qualidade de fármacos e medicamentos e/ou controle de qualidade de produtos farmacêuticos;

i) Controle de qualidade de produtos homeopáticos;

j) Economia e administração de empresas farmacêuticas e/ou gestão de empresas

farmacêuticas;

k) Deontologia, legislação e/ou ética farmacêutica;

l) Farmácia hospitalar e/ou farmácia clínica;

m) Atenção farmacêutica e/ou cuidados farmacêuticos;

n) Dispensação farmacêutica;

o) Radiofarmácia;

p) Análises toxicológicas relacionadas a insumos, produtos, processos e métodos de natureza farmacêutica; 

q) Estágios supervisionados das atividades privativas do farmacêutico.

r) Outras matérias, disciplinas, unidades, módulos, conteúdos e/ou componentes

curriculares que de qualquer forma estejam dentro da área das ciências farmacêuticas estabelecidas na Resolução CNE/CES n° 2, de 19/2/2002 e no Artigo 1º, do Decreto nº 85.878, de 7/4/1981.

Com efeito, entende-se que a análise da questão corresponde aos esclarecimentos de que se a fiscalização referida abrange o âmbito de atuação do CRF-SP, inserindo-se nas suas finalidades institucionais, dentre as quais ressalta-se o disposto no artigo 10º, alínea “c”, da Lei nº 3.820/1960, ad litteram:

Art. 10. - As atribuições dos Conselhos Regionais são as seguintes:

(...)

c) fiscalizar o exercício da profissão, impedindo e punindo as infrações à lei, bem como enviando às autoridades competentes relatórios documentados sôbre os fatos que apurarem e cuja solução não seja de sua alçada;

 

Nesta perspectiva, deve-se analisar se a fiscalização que se pretende realizar se adequa ao exercício da profissão, no sentido estrito do termo. Conforme define o item V, do art. 1º, do Decreto 85.878/1981, o Magistério Superior, nestes moldes, é privativo do farmacêutico e, ao menos em princípio, passível de fiscalização:

Art 1º - São atribuições privativas dos profissionais farmacêuticos:

 

(...)

 

V - o magistério superior das matérias privativas constantes do currículo próprio do curso de formação farmacêutica, obedecida a legislação do ensino;

 

Outrossim, verificamos que os procedimentos de fiscalização são definidos na Resolução nº 522/2009, do CFF, a qual por não prever expressamente esta questão, pode exigir adequação de procedimentos com eventual Deliberação da Diretoria do CRF-SP, todavia não impedindo sua implantação. Segundo o artigo 22 desta resolução:

Art. 22 - Os Conselhos Regionais poderão autuar o estabelecimento farmacêutico que no momento da visita de fiscalização esteja em atividade sem a presença de farmacêutico, obedecendo critérios pré-estabelecidos pela Diretoria do Conselho Regional e aprovados pelo seu plenário.

Contudo, mesmo havendo regulação específica e autorização para fiscalização, vislumbramos que, do ponto de vista de viabilidade jurídica, devem-se considerar uma série de outras variáveis, como a constatação de se a situação envolve atividade-fim do profissional de farmácia ou adstrita ao magistério superior, devendo-se atentar para a liberdade do exercício de qualquer profissão, bem como a liberdade de ensino e a liberdade didático-científica das instituições.

Como é cediço, o art. 5º, inc. XIII da Constituição Federal dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Mesmo diante de tal comando legal, de elevada densidade normativa, pode-se admitir que os profissionais farmacêuticos, enquanto exercem sua profissão, estariam sujeitos à fiscalização do conselho de profissão regulamentada.

Devemos nos ater, entretanto, ao questionamento de que se os professores universitários, mesmo quando lecionam matérias relativas ao âmbito de farmácia, ainda que privativas, estariam exercendo a profissão de farmacêuticos, ou a de professor apenas (docente), não se sujeitando, assim, à fiscalização do CRF-SP.

O sistema de ensino possui regras e princípios próprios, conforme estabelecido nos arts. 205 e seguintes da Constituição Federal de 1988, que inclusive dispõe sobre a liberdade de ensino (art. 206, II) e a autonomia didático-científica das universidades, a saber: “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão ...”

Em consonância com a Constituição Federal, foi editada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), a qual define que incumbe à União “autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino” (art. 9º, inc. IX).

O Decreto nº 5.773/2006, por sua vez, dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior, estabelecendo: “Art. 69. O exercício de atividade docente na educação superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional”.

Denota-se, portanto, que poderia ser questionável a ausência de previsão legal sobre determinação no sentido de que o professor universitário, para exercer a atividade de docência, independente da matéria lecionada, deva registrar-se em Conselho Profissional, de modo que este deveria submeter-se, a princípio, exclusivamente às normas estabelecidas pelo Ministério da Educação e Cultura.

Pode-se questionar, inclusive, se as normas educacionais vão ao encontro do entendimento de que a atividade que obriga a inscrição em um determinado conselho é tão somente a atividade-fim. Nesse sentido, a prática do magistério constituir-se-ia ramo singular, diferenciando-se, no seu exercício efetivo, da atividade profissional propriamente dita, ou seja, daquela que corresponde estritamente à formação adquirida, na atividade do ramo farmacêutico.

Assim, deve-se verificar se seriam inconstitucionais as exigências de inscrição do professor universitário perante o CRF-SP por afronta às disposições que albergam o direito ao livre exercício profissional (art. 5º, XIII), a liberdade de ensino (art. 206, II) e a autonomia universitária (art. 207).

Todavia, há Jurisprudência que reforça a possibilidade de questionamento destes argumentos, conforme ementa seguinte:

ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR ATIVIDADE DOCENTE. CONSELHO PROFISSIONAL. REGISTRO. INEXIGÊNCIA. 1. O art. 9º, inciso IX, da Lei n. 9.394/96, dispõe que compete à União a autorização, o reconhecimento, o credenciamento, a supervisão e a avaliação dos cursos das instituições de ensino superior. 2. O caput do art. 69 do Decreto n. 5.773/06 determina, por sua vez, que o exercício da atividade docente na educação superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional. 3. Dessarte, inexiste óbice legal ao exercício da docência nos cursos de engenharia, arquitetura e agronomia, por profissionais que não tenham registro no CREA, porquanto não pode prevalecer norma auto-elaborada, de eficácia interna corporis – como a Res. n. 2.187/73 do CONFEA – sobre as novéis disposições legais, seja, igualmente, pelo princípio da hierarquia ou pelo princípio da lex posterior. 4. Apelação a que se nega provimento. (AMS 200751010281415, Desembargadora Federal SALETE MACCALOZ, TRF2 – SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, 14/04/2009).

 

Muito embora haja tal posicionamento já manifestado pelo Poder Judiciário, não se pode olvidar que a regulamentação prevista no item V, do art. 1º, do Decreto 85.878/1981 e corroborada pela Resolução nº 482, de 30 de julho de 2008, editada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), inseridas na competência legalmente atribuída aos Conselhos de Fiscalização, são plenamente eficazes e cogentes. A limitação imposta pelo Decreto Nº 5.773/2006 demonstra-se, portanto, exorbitante e, diante da antinomia criada, seria aplicável a legislação que permite a fiscalização do CRF-SP às Instituições de Ensino Superior, para verificação da presença de profissionais farmacêuticos nos casos elencados no artigo 2º, da Resolução 482, de 30 de julho de 2008, do CFF.

Cumpre-nos observar, por fim, a função de um Decreto exposta na Carta Magna, in verbis:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

(...)

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.”

A análise de ambos os incisos do artigo 84, permite-nos concluir que a função do Regulamento (Decreto), é limitadíssima e excepcional, pois o princípio da legalidade impõe-lhe o caráter estritamente subordinado, subalterno, não lhe permitindo inovar na ordem jurídica.

Analisando a Lei n° 9.394/96, conclui-se que não há impedimento expresso à fiscalização dos Conselhos de Classe para que os docentes não sejam fiscalizados, e, portanto, o artigo 69 do Decreto n° 5.773/2006, vulnera o princípio da legalidade insculpido no artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal:

“II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

Consoante escólio do eminente Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, o Decreto possui dois propósitos: (i) limitar a discricionariedade administrativa, seja para (a) dispor sobre o modus procedendi da Administração nas relações que necessariamente surdirão entre ela e os administrados por ocasião da execução da lei; (b) caracterizar fatos, situações ou comportamentos enunciados na lei mediante conceitos vagos cuja determinação mais precisa deve ser embasada em índices, fatores ou elementos configurados a partir de critérios ou avaliações técnicas segundo padrões uniformes, para garantia do princípio da igualdade e da segurança jurídica; (ii) decompor analiticamente o conteúdo de conceitos sintéticos, mediante simples discriminação integral do que neles se contém.” [1]

Em assim sendo, verifica-se que o artigo 69 do Decreto n° 5.773/2006 não se enquadra em nenhuma das hipóteses acima descritas, não se podendo adotar interpretação extensiva a fim de impedir a fiscalização do CRF-SP em atividades expressamente fixadas por lei ordinária e devidamente regulamentadas pelos respectivos diplomas legais supramencionados.

  

   É, s.m.j., o Parecer.

                       

            São Paulo, 16 de janeiro de 2013.

                                   _________________________

                                   Samuel Henrique Delapria

       OAB/SP 280.110

 


[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 340, 19ª ed., Edit. Malheiros, SP, 2005.

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