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Revista do Farmacêutico

PUBLICAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Nº 129 - FEV - MAR - ABR/2017

CAPA / FARMÁCIA CLÍNICA

 

Farmácia Clínica no mundo

Farmácias da Europa e América do Sul destacam-se por serviços diferenciados e integração com sistema de saúde 

 

rf129 capa01Envelhecimento populacional aumenta a oportunidade para atuação clínica do farmacêuticoCaracterizada nos anos 60 nos Estados Unidos, a Farmácia Clínica rompeu as barreiras dos hospitais e hoje é realidade em grande parte das farmácias na Europa, Estados Unidos e América do Sul. Em terras brasileiras, as recentes regulamentações como a Lei 13.021/14, que define a farmácia como unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, trouxeram à cena um novo patamar para a profissão. 

Com o foco no paciente e não mais no medicamento, o farmacêutico que vivencia esse momento da Farmácia deve prioritariamente ter, entre outras habilidades,  conhecimento atualizado, ampla capacidade de avaliação das situações e facilidade de comunicação. Diante disso, o desafio central está em repassar os conceitos teóricos para o dia a dia com base na legislação vigente. 

No Brasil e no mundo, o envelhecimento da população é uma oportunidade para que a farmácia seja um local de orientação, tendo em vista a necessidade de informações sobre uso de medicamentos, em especial a respeito da polifarmácia. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas, há no mundo 893 milhões de pessoas com mais de 60 anos, mas no meio do século este número passará de 2,4 bilhões. 

A Revista do Farmacêutico ouviu alguns farmacêuticos que vivenciam esse modelo de farmácia prestadora de serviços e integrada ao sistema de saúde em alguns países da Europa e América do Sul.  Em Portugal, por exemplo, há serviços como auxílio a fumantes, troca de seringas para dependentes químicos e recolhimento de medicamentos vencidos. Já no Reino Unido, o sistema eletrônico permite ao farmacêutico ter acesso ao histórico hospitalar do paciente, além de oferecer serviços especializados de acordo com a necessidade da região. 

 

Confira as particularidades de algumas farmácias pelo mundo: 

 

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rf129 capa03Portugal se destaca por suas farmácias realizarem muitos serviços farmacêuticos O atual modelo de farmácia clínica adotado nas farmácias comunitárias em Portugal é um dos mais avançados e elogiados em todo o mundo. Sua implementação foi uma evolução das discussões iniciadas no final dos anos 90, quando os profissionais lusitanos começavam a debater a importância dos cuidados farmacêuticos. Desde então, a Associação Nacional das Farmácias e a Ordem dos Farmacêuticos de Portugal desenvolveram uma série de medidas.

Segundo a Dra. Ema Paulino, presidente da seção de Lisboa da Ordem dos Farmacêuticos de Portugal, a implementação das boas práticas de farmácia acelerou o processo de disseminação dos conceitos para um número cada vez maior de farmácias. “Fizemos muitos eventos e conferências para sensibilizar os farmacêuticos sobre a importância da farmacoterapia e dos cuidados farmacêuticos”.

Atualmente são muitos os serviços oferecidos pelas farmácias comunitárias de Portugal (veja o quadro).

Alguns serviços prestados pelas farmácias portuguesas

Essenciais

Dispensação – aconselhamento – check saúde – campanhas de saúde – auxílio a fumantes – troca de seringas – recolhimento de medicamentos vencidos.

Diferenciados

Meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica – primeiros  socorros – administração de medicamentos – cuidados farmacêuticos.

rf129 capa04Dra. Ema Paulino, presidente da seção de Lisboa da Ordem dos Farmacêuticos de Portugal

O governo do país incentiva os cuidados farmacêuticos porque a população portuguesa está em um processo de envelhecimento e é interesse dos gestores de saúde que as pessoas permaneçam na comunidade, evitando a superlotação dos hospitais. “Então há um enfoque nos cuidados primários de saúde, onde as farmácias também se inserem, como agentes de promoção à saúde e prevenção à doença”, comentou Dra. Ema.

Como a farmácia portuguesa está em constante evolução, atualmente há diversos projetos em processo de implementação, como um serviço de integração de informação entre as farmácias e os centros clínicos. “É um grande esforço para a comunicação e interligação dos cuidados. O governo vai abrir o resumo clínico eletrônico aos farmacêuticos, com informações sobre o histórico clínico, que depois pode ser importante para sua atuação. O farmacêutico também poderá anotar seu registro para passar informações para o médico”, afirmou Dra. Ema.

Para a farmacêutica, a possibilidade de acesso às essas informações é muito importante para a atuação clínica. Por outro lado, também é importante a documentação das ações farmacêuticas para facilitar o trabalho dos outros profissionais. “Assim, as farmácias passam a estar mais integradas ao sistema de saúde”, concluiu.

 

rf129 capa05Exemplos de farmácias em Portugal, com destaque ao atendimento humanizado e realização de serviços farmacêuticos

Os portugueses e as farmácias comunitárias

Qual o primeiro local que consulta quando surge um problema menor de saúde?

→  farmácia 36%

→ centro de saúde 27%

→ nenhum 20%

→ outros 7%

→ hospital 7%

Com quem tira suas dúvidas sobre medicamentos?

→ farmácia 54%

→ outros 17%

→ centro de saúde 16%

→ ninguém 10%

→ hospital 3%

Cerca de 95% declararam ter ido à farmácia no último ano. Dos que foram, cerca de 51% foram seis ou mais vezes. 81% foram ao menos três vezes nos últimos seis meses.

Fonte: Centro de Estudos e Sondagens de Opinião de Portugal (Cesop)

 

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rf129 capa07No Reino Unido, as farmácias estão passando por uma transformação, inserindo a responsabilidade do próprio paciente no sucesso do tratamento O modelo de farmácia clínica no Reino Unido (que compreende os países: Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) existe há duas décadas e sofreu sensível mudança a partir de 2004, quando o sistema de saúde foi reorganizado. Desde então, tanto a farmácia pública quanto as farmácias comunitárias, assim como os outros serviços de saúde, passaram por diversas transformações que levaram em consideração as características regionais e necessidades da população em cada localidade. 

A maioria dos serviços clínicos é oferecida nas farmácias comunitárias com acesso livre e gratuito para a população e a remuneração para a farmácia repassada pelo governo. Mas há também os serviços em que o próprio paciente paga. Exemplo disso são os serviços de contracepção de emergência, que são gratuitos para parte da população, mas para alguns grupos classificados por idade e região, são cobrados. 

Segundo o farmacêutico inglês Dr. Olaolu Oloeyede, do North-East London Local Pharmaceutical Committee, os melhores resultados obtidos com a prática clínica farmacêutica acontecem quando é oferecido ao paciente a responsabilidade e o envolvimento com o próprio cuidado. “Percebemos que quando empoderamos o paciente, quando estão envolvidos e assumem a responsabilidade, os resultados são mais efetivos. Essa mudança de mentalidade promove melhoria na saúde da população e reduz os custos do sistema de saúde”.

Prescrição farmacêutica

rf129 capa08Projeto, ainda em fase de teste, mostra histórico hospitalar do paciente por meio de um sistema eletrônicoNo Reino Unido, os medicamentos que somente são dispensados em farmácias estão divididos em duas categorias: Pharmacy Only (P) aqueles que os farmacêuticos podem prescrever e Prescription Only Medicines (POM), que necessitam de prescrição médica, mas alguns farmacêuticos também podem prescrever, dentro de sua competência e nível de treinamento, incluindo alguns medicamentos controlados. 

Para isso, é necessário cumprir uma formação para os níveis de creditação. Um exemplo de POM que pode ser prescrito por farmacêuticos é para infecção urinária, obedecendo um protocolo definido para sua permissão.

Avanços clínicos

rf129 capa09As farmácias do Reino Unido têm a obrigação de disponibilizar, gratuitamente, dispensação de medicamentos, promoção de vida saudável e cuidados pessoaisCom o objetivo de melhorar a integração de informações de saúde, recentemente foi criado um sistema eletrônico nas farmácias comunitárias que permite ao farmacêutico ter acesso ao histórico hospitalar do paciente e as intervenções do farmacêutico também ficam registradas no prontuário para acompanhamento das próximas consultas médicas. 

rf129 capa10“O avanço das atividades clínicas no Reino Unido aproxima o farmacêutico dos outros profissionais de saúde” (Dr. Olaolu Oloeyede)Segundo o Dr. Oloyede, o projeto ainda está em teste e não está amplamente implantado, mas já apresenta excelentes resultados. “Com isso, o farmacêutico consegue acompanhar exames, diagnóstico, o que foi mudado, quais medicações foram utilizadas etc”. 

Para ele, o avanço das atividades clínicas no Reino Unido aproxima o farmacêutico dos outros profissionais de saúde. “Isso tem o impacto positivo nos cuidados ao paciente e segurança, bem como reduz o tempo de espera para consulta médica. Ter um farmacêutico no atendimento clínico significa que os médicos podem concentrar suas habilidades onde eles são mais necessários, por exemplo, no diagnóstico e no tratamento a pacientes em condições complexas”, concluiu Dr. Oloeyede.

 

A farmácia clínica do Reino Unido está estabelecida em três níveis:

Serviços essenciais: todas as farmácias credenciadas devem disponibilizar gratuitamente, como: dispensação de medicamentos, promoção de vida saudável e cuidados pessoais.

Serviços avançados: são fornecidos por todo país, mas direcionados para as necessidades locais de cada comunidade, como: orientação e revisão do uso de medicamentos, vacinação, fornecimento de medicamentos urgentes pelo sistema de saúde.

Serviços locais comissionados: monitoramento de anticoagulação, contracepção de emergência e assistência domiciliar.

 

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rf129 capa12Na Espanha , apenas farmacêuticos podem abrir farmácias, que devem prestar serviços de saúde às comunidades onde estão inseridas As farmácias na Espanha são reconhecidas por serem há três décadas estabelecimentos focados na atenção farmacêutica. Se foi nos Estados Unidos que surgiu o termo Pharmaceutical Care, definidos por Hepler e Strand em 1990, a Espanha, no mesmo período, adaptou o termo Atención Farmacéutica, que contribuiu com o desenvolvimento do modelo de seguimento farmacoterapêutico (Método Dáder), segundo o Grupo de Investigación en Atención Farmacéutica Universidad de Granada. 

Na Espanha somente farmacêutico pode abrir e ser proprietário de farmácia (Decreto nº 909/1978). Outra peculiaridade do país é de que uma farmácia deve estar a pelo menos 500 metros de distância da outra e o número total de estabelecimentos no município não pode exceder uma para cada quatro mil habitantes, com exceção de quando houver interesse público.

Os serviços de saúde também são regulamentados no país, desde 1997, pela Lei Federal nº 16, que estabelece a Regulación de Servicios de Las Oficinas de Farmácia. Essa define as funções das farmácias como prestadoras de serviços de saúde. “São estabelecimentos sanitários privados, de interesse público, sujeitos à planificação sanitária estabelecida, assistido pelo farmacêutico titular-proprietário, e deverá prestar os seguintes serviços básicos à população: aquisição, manutenção, conservação e dispensação de medicamentos e produtos sanitários; vigilância, controle e retenção das receitas médicas dispensadas; garantia de atenção farmacêutica em sua região; elaboração de fórmulas magistrais; orientação para os tratamentos farmacológicos aos pacientes; colaboração no controle do uso individualizado dos medicamentos, objetivando detectar reações adversas que possam ocorrer, notificando os organismos responsáveis pela farmacovigilância; colaboração nos programas promovidos pelas administrações sanitárias para garantia da atenção farmacêutica, nos programas de saúde, prevenção das doenças e educação sanitária; colaboração com a administração sanitária, na formação e informações dirigidas aos demais profissionais de saúde e usuários sobre o uso racional de medicamentos e produtos sanitários; a atuação coordenada com as estruturas de saúde das comunidades e, por fim, a colaboração com a área da Educação Farmacêutica.

Porém, de acordo com Dr. Manuel Machuca Gonzalez, farmacêutico comunitário em Sevilha, na prática, os serviços ainda não estão sendo desenvolvidos como devem. “Há um movimento intenso da grande maioria das farmácias, liderada pela Sociedade Espanhola de Farmácia Familiar, para que essa legislação seja colocada efetivamente em prática, mas até agora isso não foi alcançado”, afirma.

Dr. Machuca aposta que a transformação ainda não ocorreu verdadeiramente nas farmácias comunitárias pois não há um modelo de retorno específico desses serviços, que é um dos pontos que traduz a nova farmácia mundial, como já ocorre em outros países da Europa, com base na cobrança dos serviços de saúde. “A diferença entre a farmácia comunitária e a farmácia clínica hospitalar na Espanha é clara, porque, além do hospital estar mais focado no cuidado do paciente, os salários dos farmacêuticos hospitalares não dependem de aspectos comerciais”, ressalta.

Outro diferencial na Espanha é de que ocasionalmente são promovidas campanhas de saúde, mas, segundo Dr. Machuca, elas acabam por desaparecer devido à ausência de modelo de remuneração para os farmacêuticos. “São apenas campanhas passageiras e, muitas vezes, o que demonstra a dificuldade econômica de se manter essas iniciativas. Mais uma vez, enquanto não mudar o modelo de remuneração salarial dos farmacêuticos, não haverá mudança no modelo profissional”.

“Investir en la implantación de los servicios farmacéuticos es muy beneficioso; pero no hacerlo puede representar una catástrofe ética y humanitaria.”

Investir na implementação dos serviços farmacêuticos é extremamente benéfico; já o contrário, pode representar uma catástrofe ética e humanitária.

Dr. Manuel Machuca

 

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rf129 capa14No Chile, assim como ocorre no Brasil, a legislação define as farmácias como estabelecimentos de saúdeApesar da regulamentação chilena definir as farmácias comunitárias como estabelecimentos de saúde, na prática hoje elas ainda não realizam muitas atividades clínicas. Situação diferente das encontradas nas clínicas e hospitais públicos e privados do País que, há alguns anos, têm investido na infraestrutura e em profissionais para realizar a farmácia clínica. 

Nesses locais, os farmacêuticos atuam nas áreas de geriatria, cuidados intensivos, e pediatria, por exemplo, onde acompanham os pacientes para prevenir possíveis problemas relacionados a medicamentos, evitando interações e efeitos indesejados. 

“São competências desses farmacêuticos a farmacocinética, a farmacovigilância e farmacologia clínica, principalmente relacionadas ao uso de medicamentos em pacientes idosos, crianças e/ou com doenças crônicas ou com doenças como HIV e câncer, entre outros”, afirma a farmacêutica e professora da Universidade do Chile, Dra. Inés Ruiz.

Ela ressalta que a inclusão de farmacêuticos na equipe multiprofissional no Chile é cada vez mais expressiva, assim como sua participação em decisões clínicas, como a tomada de algumas escolhas terapêuticas e orientação a outros profissionais de saúde. 

Essas atividades divulgam a importância da atuação clínica do farmacêutico que, aos poucos, começa a ser inserida também nas farmácias, como a prática de alguns serviços como monitoramento de pressão arterial, informações sobre colesterol e orientações sobre problemas relacionados a medicamentos.

Dra. Marcela Jirón, farmacêutica clínica e professora na Universidade do Chile, afirma que, apesar de ainda não estar muito propagados, esses serviços já são realizados nas farmácias comunitárias há cerca de 20 anos e ressalta que, assim como no Brasil, a legislação reconhece esses estabelecimentos no País como estabelecimentos de saúde. 

 

“Las prestaciones clínicas se ofrecen en farmacia comunitaria hace cerca de 20 años y actualmente la legislación incluye a las farmacias como centros de salud” 

Os serviços clínicos são oferecidos na farmácia comunitária há cerca de 20 anos e, atualmente, a legislação inclui as farmácias como centros de saúde. 

Dra. Marcela Jirón

 

     

     

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