ESTABELECIMENTOS REGISTRADOS

PROFISSIONAIS INSCRITOS ATIVOS

Revista do Farmacêutico

PUBLICAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Nº 120 - FEV-MAR / 2015

 

Foto: IngimageNovas regras para o velho conflito

Revista do Farmacêutico ouve farmacêuticos e proprietários e revela histórias de fracasso e sucesso de uma parceria que ganhou novos rumos com a Lei 13.021/14

A Lei 13.021/14, que completou sete meses no dia 8 de março, determina um novo padrão de relacionamento entre farmacêutico e proprietário, no qual pesam a autonomia técnica do profissional e a solidariedade do empresário para promoção do uso racional de medicamentos. Ambos são os responsáveis pelo sucesso da farmácia. De um lado, a atenção à saúde do farmacêutico, do outro, a busca pelo lucro do dono. A Revista do Farmacêutico foi a campo ouvir ambos os lados em busca de soluções para o velho conflito. Histórias que mais parecem casos de polícia se misturam a outras, de parcerias que deram certo.

Dr. Pedro Eduardo Menegasso, presidente do CRF-SP (Arquivo / CRF-SP)Para o presidente do Conselho, dr. Pedro Eduardo Menegasso, há um alento para quem enxerga apenas dificuldades no relacionamento entre o dono da farmácia e o farmacêutico. “A realidade nos ensina que quando essas duas partes trabalham unidas, o resultado é uma farmácia de sucesso”, afirma.

Entre as pedras no caminho, destaca-se o abuso de autoridade de alguns proprietários. Não são raros os farmacêuticos que, ao responderem a um processo na Comissão de Ética do CRF-SP, alegam ter praticado irregularidades sob ordens, por mais que a lei garanta autonomia técnica ao profissional.

Os nomes foram omitidos na reportagem para preservar os envolvidos na história. Durante inspeção numa farmácia, verificou-se um atendente de balcão que realizava lavagem de ouvidos e utilizava otoscópio. O proprietário havia montado um consultório no estabelecimento para esses atendimentos. O farmacêutico era conivente, pois sabia e permitia a realização desse tipo de procedimento proibido. Ele foi penalizado pela infração após responder a Processo Ético Disciplinar.

Após denúncia da Vigilância Sanitária, outro farmacêutico também foi convocado no CRF-SP por comercialização de anabolizantes de uso veterinário importados e sem registro na Anvisa, medicamentos fracionados inadequadamente e fora de suas embalagens originais, medicamentos vencidos e produtos de amostra grátis. O farmacêutico foi responsabilizado pelas irregularidades, mesmo justificando que foram impostas pelo proprietário.

Em uma farmácia magistral, foi encontrada uma história de solidariedade entre farmacêutico e proprietário, porém o que os unia era a ilegalidade. Uma denúncia apontou a manipulação de fórmulas sem a devida prescrição e que no estabelecimento havia outras prontas para dispensação com rótulos em desacordo com a legislação vigente. Os produtos foram apreendidos e o farmacêutico respondeu pela falta ética cometida. Proprietário e farmacêutico eram coniventes com a ação, considerada de risco à saúde.

O QUE DIZ A LEI

O artigo 10 da Lei 13.021/14 é o mais emblemático sobre o relacionamento entre farmacêutico e proprietário. Diz o texto: “O farmacêutico e o proprietário dos estabelecimentos farmacêuticos agirão sempre solidariamente, realizando todos os esforços para promover o uso racional de medicamentos.”

No entanto, para uma relação na qual o proprietário é o chefe, o artigo seguinte estabelece limites para essa autoridade, dividindo poderes. Diz a lei: “O proprietário da farmácia não poderá desautorizar ou desconsiderar as orientações técnicas emitidas pelo farmacêutico.”

Para completar, o parágrafo único, na sequência dessas duas frases, determina que “é responsabilidade do estabelecimento farmacêutico fornecer condições adequadas ao perfeito desenvolvimento das atividades profissionais do farmacêutico”.

ATUAÇÃO PREVENTIVA

“Muitos farmacêuticos prestam serviços em farmácias e drogarias de pequeno porte, e, nessas condições, têm contato direto com o dono do estabelecimento. Podem ocorrer interesses conflitantes entre o proprietário da farmácia, que almeja alcançar o maior lucro possível na comercialização dos medicamentos e o profissional, que precisa atuar de acordo com a legislação que rege sua atividade”, pondera César Ernesto Albieri Silvestre, advogado do Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sinfar-SP).

Segundo Silvestre, quando o farmacêutico denuncia situações como as narradas acima, por telefone, e-mail ou visita ao sindicato, a orientação da entidade é, primeiramente, alertar o proprietário –de preferência, por escrito, recolhendo uma assinatura dele como prova de que está ciente. “Em último caso, persistindo a atitude do empregador, deve o empregado se desligar da empresa, uma vez que não terá condições de exercer suas atribuições em conformidade com a lei”, explica.

O Sinfar-SP disponibiliza o departamento jurídico para atender os profissionais. “Vale informar que, por força das normas legais, a atribuição do sindicato para com o associado, na esfera jurídica, se limita à atuação no âmbito trabalhista, posto que as irregularidades na área técnica são resolvidas pelos órgãos administrativos competentes, como o CRF-SP e a Covisa, por exemplo.”

Silvestre orienta que a melhor atitude é atuar de forma preventiva. “Embora seja o óbvio, que ele é um seguidor fiel de seu Código de Ética Profissional e que não aceitará ingerência em seu trabalho que possa desvirtuar as normas de conduta de sua atividade técnica.”

Dra. Márcia Tebet Quiqueti e dra. Patrícia Barbosa Primo, respectivamente proprietária e farmacêutica de estabelecimento na capital (Luiz Prado / Agência Luz)Dra. Márcia Tebet Quiqueti e dra. Patrícia Barbosa Primo, respectivamente proprietária e farmacêutica de estabelecimento na capital (Luiz Prado / Agência Luz)APOIO E AMIZADE

Porém, não há apenas espinhos na relação entre farmacêuticos e proprietários. Há também histórias de sucesso nessa parceria, fundamental e determinante na qualidade dos serviços prestados na farmácia, garantindo a clareza nas relações e a confiança em todo o processo. É o caso da dra. Patrícia Barbosa Primo, que há 13 anos é farmacêutica substituta em uma farmácia de manipulação da zona leste da capital. Ela afirma que, ao longo deste período, sempre teve uma relação de confiança mútua e respeito com os donos do estabelecimento.

Dra. Patrícia conta que o segredo dessa parceria está em trabalhar em favor da sociedade, informando, cuidando e atendendo os pacientes com a máxima dedicação e atenção. “Nunca me faltou liberdade para trabalhar e expor minha postura profissional. Em troca, recebi apoio e amizade. Há uma parceria profissional e pessoal que nos possibilita atuar de maneira mais abrangente na farmácia, dividindo as responsabilidades e funções”, conta.

Incentivo à atualização profissional e atendimento farmacêutico de qualidade: diferenciais de farmácias que possuem proprietários que entendem o que é responsabilidade solidária (Luiz Prado / Agência Luz)Incentivo à atualização profissional e atendimento farmacêutico de qualidade: diferenciais de farmácias que possuem proprietários que entendem o que é responsabilidade solidária (Luiz Prado / Agência Luz)A farmácia investe em treinamento contínuo dos colaboradores e incentiva a atualização profissional. “Posso afirmar que atuo plenamente como farmacêutica, tanto na atenção farmacêutica como na área técnica. A liberdade de poder trabalhar dentro de preceitos e convicções de responsabilidade e qualidade faz o profissional sentir-se confiante e engajado na melhoria constante, tanto do crescimento profissional individual como da profissão”, relata a dra. Patrícia.

A importância da responsabilidade solidária é endossada pela sócia-proprietária da farmácia, a também farmacêutica dra. Márcia Tebet Quiqueti. “Tenho a plena certeza de que a boa relação e confiança são fundamentais, afinal, estamos trabalhando com a saúde das pessoas. Saúde essa que muitas vezes não depende somente da boa manipulação, com todas as técnicas, mas de uma orientação e bom relacionamento, como já foi dito”.

ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

A farmacêutica substituta dra. Monique Fernanda Vidotti Chukr, de Piracicaba, interior do Estado, conta ter uma relação “saudável e proativa” com seus empregadores. “Isso se reflete no meu trabalho, proporcionando uma atenção farmacêutica de qualidade para com os pacientes. Essa relação não é mérito meu, e sim uma virtude dos proprietários, que entendem e apoiam a importância do trabalho do farmacêutico como corresponsável em relação à qualidade de vida dos pacientes e o uso racional dos medicamentos”, afirma.

Dra. Monique Chukr e Marli Almeida: fidelização pela assistência farmacêutica (Arquivo pessoal)Dra. Monique Chukr e Marli Almeida: fidelização pela assistência farmacêutica (Arquivo pessoal)Apesar de hoje atuar “em um estabelecimento que oferece todas as condições, como farmacêutica, para colocar em prática os serviços de saúde para a população”, dra. Monique admite que em alguns lugares “prevalece o dito popular ‘Manda quem pode, obedece quem tem juízo’. “O farmacêutico é visto por esses proprietários como um prejuízo imposto por lei.”

A chefe da dra. Monique, Marli Aparecida Possignolo de Almeida, sócia-proprietária da drogaria, explica que proporcionar um bom ambiente de trabalho reflete a aposta que o estabelecimento fez na assistência farmacêutica. “Para garantir espaço no mercado, a empresa precisa se adaptar às tendências globais e exibir seus diferenciais com medidas de criatividade e inovação. Nossa empresa definiu como diferencial o atendimento farmacêutico, em tempo integral, muito antes da obrigatoriedade”, diz.

Nesse contexto, a presença do farmacêutico é a principal referência na drogaria. E para quem já está pensando em enviar o currículo para a drogaria de Marli Aparecida, ela dá a dica: “Atuamos com profissionais competentes e dispostos a esse objetivo. Aqui, damos toda liberdade ao conhecimento técnico, cativamos e fidelizamos as pessoas pela assistência farmacêutica. Fazemos assim um diferencial à concorrência e à farmácia que visa antes de tudo o lucro pelo lucro”, conclui.

Por Carlos Nascimento, Mônica Neri, Renata Gonçalez e Thais Noronha

 

Imagens: Ingimage / Arte: Guilherme MortaleDez mandamentos para conquistar o chefe

Quando farmacêutico e proprietário não se entendem, a demissão é uma questão de tempo. A Revista do Farmacêutico ouviu três especialistas em desenvolvimento de carreira para saber o que está ao alcance do profissional para evitar que isso aconteça, e, em vez disso, que a relação seja proveitosa para ambos e para a farmácia.

“Se o profissional vê perspectiva de mudança na relação e acha que vale a pena investir, uma alternativa é uma conversa franca para esclarecer expectativas”, considera a consultora Sheila de Souza Lima, especializada em desenvolvimento e transição de carreira.

“Apenas o funcionário que for independente, não tem medo de perder o emprego e tem a liberdade de dizer que não fará o que o empregador mandar”, afirma José Augusto Minarelli, presidente da consultoria Lens & Minarelli. “Pessoas com baixa empregabilidade porque foram mal formadas ou porque têm preguiça não veem oportunidade de crescimento, são tratadas como balconistas, não são objeto de desejo de ninguém, têm medo de perder o emprego e se submetem.”

Aceitar praticar ilegalidades nunca é a solução. “Tente analisar a situação considerando também o ponto de vista do empregador. Há algo a ser mudado? O que pode ser mudado? Vale a pena o esforço?”, explica Sheila. “Existem várias formas de aumentar vendas ou melhorar resultados, por exemplo, negociar com o fornecedor, treinar a equipe para um bom atendimento ao cliente, agregar serviços, rever ações de marketing, reduzir custos de operação, fazer convênios”, diz.

Para a psicóloga Claudia Carraro, coach da Carreira&Cia, vender é “uma arte e exige técnica”. “Ter habilidade com vendas não significa empurrar medicamento”, afirma. Sobre ser obrigado a obedecer ao proprietário em quesitos que ferem seu próprio código de ética, Claudia é direta: “O farmacêutico sabe muito bem o que está dentro da ética. Conversar é o primeiro passo. Caso a cultura da farmácia seja essa, cabe a ele resolver se quer isso para si. Quem não está feliz no trabalho atual precisa tomar uma atitude.”

Para os que decidiram investir na relação, os especialistas deram dez dicas do que fazer para ter o dono da farmácia como parceiro solidário e respeitoso:

Demonstre competência técnica (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)1. Demonstre competência técnica. Para isso, é preciso buscar ampliar os conhecimentos, criando uma rede de amigos na área para troca de informações, mantendo-se atualizado. “É importante estar bem informado sobre o mercado, medicamentos, tratamentos e doenças”, explica Minarelli.

Ofereça soluções, não problemas (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)2. Ofereça soluções, não problemas. “Demonstre preocupação com o resultado dos negócios”, explica a consultora Sheila. Para isso, “entenda o negócio no qual atua e tenha claro quais os fatores de sucesso desse empreendimento”.

Tome iniciativa, seja proativo (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)3. Tome iniciativa, seja proativo. “O farmacêutico está na linha de frente de relacionamento, deve ser merecedor da confiança. É imprescindível ter atenção, paciência, compreensão”, afirma Minarelli.

Mantenha um bom relacionamento com os colegas de trabalho (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)4. Mantenha um bom relacionamento com os colegas de trabalho. “Ser um agente desenvolvedor da equipe é importante. O farmacêutico tem condição de treinar quem trabalha com ele”, explica o consultor da Lens & Minarelli. “Estabelecimentos que lidam com atendimento ao público precisam ter um clima organizacional excelente”, completa Claudia.

Seja discreto (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)5. Seja discreto. “Não faça e não incentive fofoca”, adverte Sheila. “Mantenha um relacionamento respeitoso. Todo subordinado deve jogar no time do chefe enquanto respeitá-lo”, completa Minarelli. “Informe [ao patrão] sobre comentários, expectativas, eventos ocorridos com os clientes”, diz Sheila.

Mantenha o bom humor (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)6. Mantenha o bom humor. “Demonstre otimismo e atitude positiva frente a dificuldades”, pondera Sheila. “Gostar do que faz e fazer bem feito.”

Seja flexível (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)7. Seja flexível. “Assuma tarefas que extrapolam a sua função quando for necessário”, diz a consultora. “Cumpra as normas explícitas e implícitas da empresa.”

Aprenda a vender (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)8. Aprenda a vender. “Quando um cliente vai comprar medicamento e acha caro, cabe a quem está atendendo usar técnicas de vendas para convencê-lo ou oferecer alternativas, para não perder a venda. É isso o que o proprietário quer”, afirma a psicóloga Claudia, para quem o farmacêutico tem de buscar cursos de técnicas de vendas, o que não significa empurrar medicamentos. “Aprenda a fazer venda agregada de produtos.”

Atenda bem os clientes (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)9. Atenda bem os clientes. Todos os psicólogos ouvidos pela reportagem são unânimes: farmacêutico tem de gostar de gente. “Mantenha um sorriso no rosto, trate as pessoas com simpatia e empatia. Torne-se inesquecível para o cliente”, explica Claudia.

Mantenha a aparência impecável (Imagem: Ingimage / Arte: Ana Laura Azevedo)10. Mantenha a aparência impecável. Isso significa uniformes e sapatos muito limpos, unhas cuidadas, cabelo adequado, ou seja, uma imagem condizente ao exercício da função.


Por Thais Noronha

 

 

 

    Conteúdo acessível em libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro ou Hozana. Conteúdo acessível em libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro ou Hozana.