Sem critérios, desigualdade em saúde tende a aumentar
29/09/2016 - Folha de S.Paulo
O julgamento no STF sobre o direito a remédios não disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde) é só o início de uma discussão muito maior que o Brasil tem evitado fazer: diante da limitação orçamentária, o que é possível oferecer em saúde? Ainda que a saúde seja um direito constitucional do cidadão e um dever do Estado, não há como impor ao SUS a responsabilidade pela oferta ilimitada de terapias.
Uma lei federal de 2011 tentou disciplinar isso (condicionando a oferta de novas drogas no SUS à aprovação de uma comissão do Ministério da Saúde), mas o Judiciário a ignora em suas decisões— que, na maioria dos casos, são favoráveis aos pacientes.
Os gastos da União com a judicialização da saúde cresceram 797% em cinco anos (de R$ 122,6 milhões, em 2010, para R$ 1,1 bilhão em em 2015). Se somados os custos de Estados e municípios, a soma chega a R$7 bilhões.
Estudos apontam que, além de desestabilizar as políticas de saúde, isso aumenta a iniquidade, porque quem recorre à Justiça, em geral, são pessoas mais favorecidas.
Países desenvolvidos com sistemas públicos de saúde, como Inglaterra, Alemanha e Canadá, possuem regras mais claras para definir o que é “justo” em saúde. Há critérios que avaliam o impacto real de cada novo produto sobre a saúde do paciente em relação ao que já existe.
Essa é tida como a melhor forma para evitar que os interesses comerciais prevaleçam sobre os interesses públicos e do paciente.
Nesses países praticamente não existe judicialização.
Medicamentos não aprovados pelos órgãos reguladores, por exemplo, não são fornecidos —só se fizerem parte de protocolos de pesquisa.
Já o acesso às drogas para doenças raras é um problema no mundo todo. Segundo Octávio Luiz Motta Ferraz, professor de direito na Universidade de Warwick (Reino Unido), mesmo com incentivos econômicos para que as farmacêuticas desenvolvam drogas nessa área, elas são caras e superam o limite máximo estabelecido pelas agências que avaliam a incorporação de novas tecnologias.
Na Inglaterra, o limite fica entre 20 e 30 mil libras (R$ 84.110 e R$ 126.165) por QALY (Quality Adjusted Life Years), que significa quantos anos de vida saudável a tecnologia pode propiciar.
Mas como o preço dos remédios sempre supera esse limite, o governo tem um programa especial e um orçamento separado para eles.
Isso tudo ocorre longe dos tribunais. Quando raramente o caso vai parar na Justiça, o paciente tende a perder, porque o juiz não se sente legitimado para interferir na decisão da autoridade de saúde.
O caso mais famoso, na Inglaterra,—Child B—envolveu uma doença rara com tratamento experimental caro. O sistema de saúde inglês se negou a oferecê-lo, e os juízes respeitaram a decisão.
São decisões sempre difíceis e que precisam estar amparadas por critérios claros, objetivos e consensuais, considerando que é dever do Estado alocar os recursos da saúde de forma equitativa.
Paciente sobrevive a complexo transplante de múltiplas vísceras
29/09/2016 - Folha de S.Paulo
“Toda hora que tocava o telefone, eu achava que era a minha vez”, lembra Roseli Machado, 41, de Cordeirópolis (SP). A perda de apetite, os enjoos frequentes e o crescimento da barriga deram o alerta de que algo não ia bem com a sua saúde.
Em pouco tempo, ela descobriu ter ascite (ou barriga d´água), que é o acúmulo de líquido no abdome. Por meio de uma amiga, conseguiu uma consulta no hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Não havia dúvida: era necessário um transplante multi visceral —“troca” de vários órgãos do paciente com o de uma pessoa falecida. O “pacote” a ser recebido por Roseli deveria incluir fígado, intestino, estômago e pâncreas.
Era preciso esperar. “Os médicos me deixaram ir para casa, mas me fizeram prometer que, quando ligassem, eu iria para o hospital”, lembra com bom humor.
Dos seis procedimentos até então realizados no Brasil, ninguém sobreviveu. “Depois do choque inicial, decidi, sim, fazer. E falei que seria a primeira a permanecer viva”.
Em julho, o telefone finalmente tocou: “Seu doador chegou; venha já”, pediu o hospital. “Fui para a cirurgia tranquila e feliz. Não tive medo e em nenhum momento achei que fosse morrer”, lembra Roseli, que teve alta depois de 80 dias internada.
“Sei a dor que é a perda de um ente querido, mas a família teve uma atitude linda, maravilhosa para a vida de alguém que estava esperando”.
De acordo com Ministério da Saúde, não há registro oficial para as pessoas se declararem doadores de órgãos no Brasil —a única alternativa é a autorização da família.
“Vou cuidar bem de tudo que concederam. E, quando morrer, se puder aproveitar meus órgãos, pode doar tudo”, diz Roseli.
Diferentemente de Roseli, em alguns casos, o órgão vem de alguém vivo e saudável.
ENTRE VIVOS
É o caso de Sophia, de 10 meses, que, mesmo com o pouco tempo de vida, já precisava de um novo fígado.
Como o pai era muito velho para doar e a mãe tinha tipo sanguíneo incompatível, a saída foi recorrer à fila de doação, ordenada pela gravidade dos pacientes.
Sophia conseguiu o órgão de uma criança que havia morrido, mas, no dia D, alterações nos exames inviabilizaram o procedimento. “O fígado acabou indo para o próximo da fila”, lembra a mãe, Isleila Vieira,35. Foi aí que uma tia, compatível, se ofereceu. O problema era o peso da mulher, que precisava emagrecer para se submeter à cirurgia.
“O transplante intervivos é feito com fígado parcial. Tira se um segmento pequeno do fígado do doador para colocar no bebê. Normalmente, esse segmento representa um terço do órgão do doador, o suficiente para um transplante de sucesso”, diz João Seda Neto, cirurgião pediátrico do hospital Sírio-Libanês.
Enquanto a tia perdia peso, o estado de saúde da bebê se agravava. Mas a história teve final feliz. A tia conseguiu emagrecer. O desafio de Isleila agora é escrever um livro para tranquilizar outras mães.
Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO),o ano de 2016 registrou aumento no número de doadores efetivos de órgão nos dois primeiros trimestres do ano —de 13,1 por milhão de habitantes para 14 por milhão.
Mas esse número ainda está abaixo do esperado para o período, de 16 por milhão.
Já a quantidade de transplantes realizados caiu no 2º trimestre, ao passo que o número de brasileiros na fila por um órgão aumentou, se comparado aos dados do 1º semestre de 2015, de 32 para 33 mil. Os transplantes mais aguardados são os de córnea, rim, fígado, coração, pulmão, pâncreas e intestino.
Ativo contra o câncer
29/09/2016 - O Globo
Mais da metade da população global teve acesso a imagens ou informações da Olimpíada, segundo o COI. Mas terão os feitos esportivos motivado as pessoas a se exercitarem?
Uma série especial publicada recentemente na “The Lancet” aponta que a inatividade física se tornou uma pandemia global. Os adultos caminham pouco, realizam o mínimo de esforço físico e ficam sentados durante longos períodos no trabalho. Quatro em cada cinco adolescentes, muitos adeptos de videogames, não atingem o mínimo de atividade física recomendado. O gasto enérgico ocupacional vem caindo desde a década de 60.
Os estudos reuniram dados de mais de 90% dos países. O custo da inatividade física no mundo, entre despesas diretas e indiretas, foi de US$ 67,5 bilhões em 2013, sendo de R$ 3,3 bilhões no Brasil, a maior parte drenada do sistema público de saúde. Além de representar um risco de morte, a inatividade física também impacta o bolso do contribuinte.
O jargão sitting is the new smoking (em inglês, “sentar é o novo fumar”) entrou em voga na comunidade científica. O entendimento, propagado por pesquisadores como James A. Levine, da Mayo Clinic, é que permanecer sentado por longos períodos é o mal do século XXI e representa um risco para o desenvolvimento de doenças crônicas comparáveis ao consumo do tabaco no século XX.
Enquanto a mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias regrediu nas últimas décadas, a das doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, câncer e diabetes, continua aumentando. No Brasil, o câncer deve se tornar a principal causa de morte em 2020. A inatividade física é um dos principais fatores de risco para alguns tipos de câncer mais incidentes em nossa população, como mama, cólon e reto e endométrio, além de doenças cardiovasculares e diabetes.
A boa notícia dos estudos é que se exercitar por uma hora ao dia, em intensidade moderada, pode anular o risco de morte atribuído aos longos períodos sentados.
A atividade física não é só importante na prevenção. Estudos do Instituto Nacional de Câncer (Inca) visam a identificar a relevância da prática esportiva por pacientes na redução de complicações do tratamento oncológico, melhora da qualidade de vida e aumento da sobrevida. O Inca tem um projeto para criação de um ginásio esportivo para pacientes.
Como o Brasil poderia virar o jogo contra o sedentarismo? Programas como Academia da Saúde e Agita São Paulo são boas iniciativas. Apesar de toda a visibilidade dos grandes eventos esportivos, não se debate a massificação da prática esportiva entre os jovens. O modelo, em vigor há décadas nos países desenvolvidos, consiste em fazer de cada escola um centro esportivo. Construir ginásios, campos e piscinas em escolas país afora, contratar equipes técnicas, organizar torneios interescolares e criar uma nova cultura esportiva para além do futebol requerem investimentos altos, porém ínfimos se considerarmos os custos da inatividade física e os benefícios para a saúde dos nossos jovens.
Médicos se negam a fazer aporte na Unimed.
29/09/2016 - O Globo
Agência reguladora diz não haver decisão sobre liquidação extrajudicial da cooperativa (foto) Os cooperados da Unimed-Rio se negaram, em assembleia na noite de terça-feira, a fazer um aporte de R$ 500 milhões para sanar parte das dívidas da cooperativa de saúde, e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) teria notificado a empresa para apresentar outro plano de capitalização sob pena de sofrer liquidação extrajudicial, segundo informou o colunista do Ancelmo Gois, em seu blog. A decisão agrava a crise da Unimed-Rio, que está sob direção fiscal da ANS desde o ano passado. Oficialmente, a agência reguladora diz que não há qualquer decisão sobre o futuro da cooperativa. A Unimed-Rio tem passivos (dívidas e outros compromissos) que totalizam R$ 1,9 bilhão, já seus ativos somam R$ 1 bilhão.
Na assembleia, que se estendeu das 20h de terça-feira até a 1h de ontem, 2.340 cooperados rejeitaram a proposta do rateio dos R$ 500 milhões. Mas, segundo nota da UnimedRio, foi aprovado um desconto de 30% na produção dos médicos. A cooperativa, não informou o que isso representa em valor mensal, nem esclareceu se o percentual era o que já vinha sendo descontado para pagamento de débitos referentes ao Imposto Sobre Serviços (ISS). A operadora havia explicado anteriormente que pagou os tributos em nome dos associados entre 2012 e 2015 e havia sido aprovado, em assembleia, o ressarcimento dos valores pelos médicos, via desconto nos pagamentos dos serviços realizados, até a quitação do montante.
OPOSIÇÃO PEDE VENDA DE ATIVOS
De acordo com a médica Ana Clara Sande, do grupo de oposição 3ª Via, a proposta de aporte foi rejeitada pela unanimidade dos presentes. Ana Clara afirma que o desconto de 30% citado pela direção da cooperativa seria o que já é feito mensalmente sobre a produção de cada médico e teria aportado, em três meses, R$ 37 milhões para a cooperativa.
— A verdade é que a grande maioria dos cooperados não tem condições de aportar mais recursos. Vamos aguardar a decisão da ANS em relação à proposta aprovada na assembleia. A atual diretoria só apresentou uma proposta de aporte que castiga ainda mais o cooperado, e não discutiu a possibilidade de venda de ativos como as sedes da Barra, do Centro, de Benfica e o hospital, que poderiam render entre R$ 750 milhões e R$ 800 milhões. É preciso saber o tamanho real da dívida para se buscarem soluções concretas — diz a médica.
Segundo fontes próximas à Unimed-Rio, depois do anúncio do risco de uma liquidação extrajudicial, alguns dos 5.400 cooperados já teriam procurado a empresa e se manifestado favoravelmente ao aporte.
Em nota, a Unimed-Rio informou ontem que, em paralelo ao desconto no valor de produção dos médicos, aprovado na assembleia, a cooperativa avalia outras alternativas para viabilizar a entrada de novos recursos. A Lei das Cooperativas, segundo o diretor financeiro William Galvão, não permite que o aporte seja feito por um investidor externo.
Ele informou, em reportagem publicada no GLOBO no último sábado, que o aporte dos cooperados, além de ajudar a pagar parte da dívida, possibilitaria que a Unimed-Rio continuasse funcionando.
— Se houver um processo de liquidação, a dívida vai ser cobrada por inteiro e teremos que parar de operar. Mas não tenho dúvida de que a empresa é viável. Tem uma carteira de quase um milhão de vidas e receita anual de R$ 5 bilhões — afirmou o diretor.
MINISTÉRIO PÚBLICO, DEFENSORIA E ANS SE REÚNEM
Na semana passada, Galvão informou ainda que tinha fechado acordo com prestadores de serviços, como a Casa de Saúde São José, e com a Federação do Estado do Rio das Unimeds para garantir o atendimento aos cerca de um milhão de usuários e o intercâmbio com as demais cooperativas do sistema. Pelo acordo, explicou o diretor, os valores presentes serão pagos à vista e os atrasados, em dez parcelas. Além disso, ele disse que reduzira o comissionamento das corretoras, como outra forma de ajustar as contas da cooperativa de saúde.
— Todo mundo entende a situação da companhia e o fato de que todos estamos entrelaçados. Estamos reformulando a administração, o que a está tornando mais eficiente e menos dispendiosa. Ganhamos o contrato com a Aeronáutica, o que representa a entrada, de imediato, de oito a dez mil vidas — destacou Galvão, na ocasião.
Em entrevista publicada no último domingo no GLOBO, o presidente da ANS, José Carlos Abrahão, ressaltou a importância da cooperativa para o sistema Unimed e para a saúde suplementar como um todo. Abrahão informou ainda que o plano de recuperação da empresa estava sendo ajustado e ressaltou que quanto mais o tempo passa, maior será o aperto necessário para reequilibrar a cooperativa. O presidente da agência reguladora disse que considera a empresa viável.
Os Ministérios Públicos estadual e federal e a Defensoria Pública do Estado do Rio, que, junto com a ANS, acompanham o processo de recuperação da empresa, devem se reunir com a agência reguladora na semana que vem para debater a situação da Unimed-Rio sem o aporte dos R$ 500 milhões pelos médicos. Todos os órgãos envolvidos no plano já haviam citado como ponto fundamental para a viabilização da recuperação da cooperativa que os cooperados fizessem uma injeção de recursos na empresa.
Judicialização da saúde atrapalha planejamento do governo, diz ministro
28/09/2016 - G1 - Bem Estar
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou nesta quarta-feira (28) que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que “garantir a harmonia” entre direitos constitucionais na votação prevista para esta quarta na Corte, que deve decidir sobre o fornecimento gratuito de remédios de alto custo não previstos na política de assistência do Sistema Único de Saúde.
Segundo o ministro Ricardo Barros, decisões judiciais em saúde custam R$ 7 bilhões para o Brasil e a judicialização da área "desestrutura" o planejamento do governo federal.
“De um lado, o cidadão precisa de assistência, e de outro, [está] o cidadão que paga imposto”, afirmou o ministro, ao destacar que os recursos do Estado são limitados.
“Os processos [judicializados] deslocam um recurso de uma atividade programada de vacinação, por exemplo, para outra atividade que foi priorizada pelo Judiciário. Ou seja, desestrutura o planejamento para os estados, os municípios e a União", disse Ricardo Barros.
Até julho deste ano, o Ministério da Saúde já cumpriu 16,3 mil ações que tratam do fornecimento de medicamentos. De 2010 a 2015, houve aumento de 727% nos gastos referentes à judicialização dos medicamentos.
No dia 15 de setembro, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, votou favoravelmente ao fornecimento, pelo poder público, de medicamentos não previstos na política de assistência do SUS. No entanto, ele votou contra o fornecimento de remédios ainda não registrados na Anvisa.
SESSÃO NO STF
A sessão no supremo discute a responsabilidade dos 26 estados e do Distrito Federal de prestar assistência no fornecimento de medicamentos de alto custo para pacientes de doenças raras e graves. O recurso extraordinário que deu origem à discussão no Supremo foi interposto pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.
O tribunal do estado nordestino determinou o fornecimento de medicamento de alto custo e o “financiamento solidário” de 50% do valor pela União para uma paciente potiguar que tinha hipertensão pulmonar e dependia de um remédio que não estava na lista de medicamentos fornecidos pelo SUS.
O Estado alega ao STF os recursos do estado seriam o limite para a concessão de medicamentos; que o direito à saúde se mostraria como direito social, que deve ser apartado dos direitos fundamentais por depender de concessão particularizada do legislador infraconstitucional, dependendo de reserva orçamentária; e que no caso do medicamento requerido não estar previsto na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, o ônus recairia unicamente sobre o ente da federação demandado, entre outros argumentos.
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