Novo estudo associa surdez em bebês à infecção pelo vírus da zika
30/08/2016 - Folha de S.Paulo / Site
Surdez é a mais nova inclusão na lista de possíveis consequências do vírus da zika para os bebês infectados. A novidade foi publicada em um estudo comandado pelo serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Agamenon Magalhães, do Recife (PE), e divulgado pelo CDC (Centro de Controle de Doenças, dos EUA).
O principal achado é que a surdez aparece em infecções pelo vírus da zika assim como em outras infecções congênitas (como citomegalovírus, sífilis e toxoplasmose), em uma taxa de 5,8% (quatro em 69). A surdez aparece entre 6% e 65% dos outros casos de infecção congênitas
Segundo os cientistas alguma lesão pode ter acontecido tanto na cóclea (na orelha interna) quanto no cérebro, provocando a perda de audição. O estudo foi feito com bebês de 0 a 10 meses de idade.
A amostra é pequena, mas o achado já serve de alerta –é necessário investigar alterações de visão, ortopédicas, na formação cerebral, além no desenvolvimento psicomotor nas crianças afetadas para minimizar as consequências no futuro.
Uma das limitações do estudo, alertam cientista, é o fato de só terem sido analisados bebês com microcefalia. "É possível que o espectro completo da infecção congênita pelo vírus da zika inclua crianças sem microcefalia, mas com déficit auditivo, como ocorre com rubéola e citomegalovírus, nas quais as crianças sem anomalias estruturais aparentes podem ter perda auditiva desde o nascimento ou mais tarde", escrevem os autores.
Também não foi possível estimar a fração dos bebês que terá perda progressiva da audição. Dada a "preferência" do vírus por células nervosas (neurotropismo), não seria surpreendente se uma maior variedade de danos neurológicos forem achados futuramente.
A perda auditiva aconteceu predominantemente em bebês cujas mães tiveram febre com rash cutâneo (exantema) no primeiro trimestre de gestação. Os autores propõem que esse momento de infecção seja um fator de risco.
Os desafios da saúde em São Paulo
31/08/2016 - O Estado de S.Paulo
A Prefeitura de São Paulo deu início, nos últimos meses, a um profundo processo de reestruturação do modelo de gestão das unidades de saúde do Município, estendendo a todo a cidade uma estratégia voltada para a atenção básica. A administração da maioria das unidades e dos serviços continua sendo feita por Organizações Sociais (OSs).
Mas, além de ter havido uma nova seleção de OSs, houve também uma importante evolução na estratégia, com a efetiva divisão da capital em 23 territórios, projetada em 2006, mas que nunca havia alcançado sua totalidade. A partir de agora, os equipamentos municipais de saúde estabelecidos dentro de um território serão administrados por uma mesma OS. Além de garantir a integração e a uniformidade no atendimento, essa decisão contribui para que os usuários possam acompanhar e controlar de perto a gestão da saúde em sua região.
OS DESAFIOS, CLARO, SÃO ENORMES
Tanto para a Secretaria Municipal de Saúde, que vai precisar se adequar ao novo formato, quanto para as Organizações Sociais, que estão iniciando um trabalho de transição para a nova realidade. Será um período de aprendizado mútuo, no qual serão feitos esforços redobrados para que a população paulistana não sofra prejuízo algum.
Até porque a sociedade também está passando por transformações profundas. A crise econômica tirou da formalidade milhões de trabalhadores.
Entre as muitas perdas dessa parcela da população estão os planos de saúde. De uma hora para outra um grande contingente de novos usuários entrou na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Uma migração bem-vinda, já que a Constituição federal qualifica a saúde como um direito fundamental do cidadão e um dever do Estado.
O modelo que está tornando viável o exercício desse direito nasceu na reforma administrativa feita no governo Fernando Henrique Cardoso, com a criação do modelo compartilhado de gestão por meio das Organizações Sociais. As OSs são instituições sem fins lucrativos que assumem a gestão de atividades administrativas do poder público, recebendo repasses de recursos para geri-los de acordo com uma lógica moderna, pautada por eficiência, transparência e controle.
O modelo não pode ser confundido com terceirização, já que a atividade-fim não é simplesmente transferida para as OSs. Tampouco é uma privatização, visto que a gestão é compartilhada e a Organização Social é responsável pela parte burocrática, cabendo ao Estado a gestão estratégica. Na saúde, por exemplo, todas as unidades administradas por OSs fazem atendimento exclusivamente pelo SUS, ampliando o acesso gratuito à população.
Foi no Estado de São Paulo que o modelo começou a se desenvolver plenamente, em 1998. Desde então, outros Estados e municípios adotaram a gestão compartilhada por OSs, com uma melhora expressiva nos resultados. Na capital paulista, o modelo começou a ser implementado na área da saúde em 2006 e vem evoluindo desde então. As mudanças adotadas agora têm como objetivo justamente fazer o modelo evoluir ainda mais.
Entre as Organizações Sociais habilitadas para esta nova etapa, o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) acredita que tem muito a contribuir. Ao longo dos últimos seis anos, nossa instituição vem atuando no Rio de Janeiro, fazendo a gestão de 70 das 90 Clínicas da Família da cidade (correspondentes às UBSs de São Paulo), 3 das 14 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs 24 horas) e 100% do Programa de Atendimento Domiciliar ao Idoso (Padi).
Desde 2009 as unidades administradas pelo Iabas na capital fluminense já realizaram mais de 4 milhões de atendimentos de urgência e mais de 6,5 milhões de consultas clínicas.
O índice de satisfação dos usuários em nossas unidades, medido por um instituto independente, é de 97%.
A atuação do Iabas no Rio de Janeiro coincide com o crescimento exponencial do atendimento básico de saúde em todo o município, especialmente nas regiões norte e oeste da cidade.
Para se ter uma ideia, até 2009 apenas 3,5% da população carioca estava coberta pela Estratégia da Saúde da Família.
ESTE ANO O NÚMERO VAI SALTAR PARA 70%
Toda essa experiência será usada para a gestão das 69 unidades e dos serviços habilitados para o Iabas pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, nos bairros de Santana, Tremembé, Jaçanã, Tucuruvi e no Centro. Um trabalho de transição que começou dia 1.º de março e foi concluído no dia 1.º de maio.
Assim como no Rio de Janeiro, aqui, em São Paulo, a instituição também está formando uma equipe de primeira linha, absorvendo o maior número possível de profissionais que já estavam trabalhando nas unidades anteriormente e realizando processos seletivos rigorosos, de modo a assegurar quadros realmente capazes de enfrentar os desafios que vêm pela frente.
E ciente de que Rio e São Paulo têm realidades sociais bem diferente, o Iabas sabe que este período será de intenso aprendizado, tanto com os profissionais da Secretaria Municipal de Saúde quanto com os Conselhos de Saúde e com os próprios usuários. Neste ponto, mais uma vantagem da divisão por territórios: as OSs terão um contato mais intenso com a comunidade, já que estarão administrando todos os equipamentos de saúde de uma mesma microrregião. Assim, haverá mais troca de experiências, mais feedbacks e mais oportunidades de crescimento.
Para a comunidade o primeiro momento, naturalmente, é de incerteza, já que os usuários estavam habituados com o trabalho que era realizado pelos gestores anteriores. Mas, assim como aconteceu no Rio de Janeiro, o Iabas está pronto para vencer mais esse desafio e, ao lado das outras OSs habilitadas e da Secretaria Municipal de Saúde, tornar São Paulo referência mundial na gestão pública de saúde. Esse é o nosso compromisso.
OMS muda tratamento de doenças sexuais por resistência de bactérias
31/08/2016 - O Estado de S.Paulo
A crescente resistência de algumas bactérias a antibióticos fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançar ontem novos protocolos de tratamento para três das mais comuns doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).
Segundo a organização, infecções por clamídia, gonorreia e sífilis “estão se tornando mais difíceis de tratar em razão da má utilização ou uso excessivo de antibióticos”.
Alguns desses medicamentos que, no passado, eram capazes de eliminar as bactérias causadoras dessas infecções, têm agora se mostrado ineficazes.
O pior quadro ocorre no caso das infecções por gonorreia. De acordo com a OMS, antibióticos mais antigos e baratos perderam sua efetividade no tratamento da doença. Pelo novo protocolo, os países devem deixar de usar a classe de medicamentos quinolona, da qual faz parte a ciprofloxacina, um dos mais populares.
No caso da sífilis, a OMS recomenda a utilização de uma única dose de penicilina benzatina, alternativa considerada mais efetiva do que medicamentos orais. Para a clamídia, a organização tem diferentes recomendações de acordo com o grau da infecção e o local afetado.
No Brasil, quase todas as novas recomendações da OMS já são adotadas, segundo informou o Ministério da Saúde. O órgão afirma que representantes do governo federal participaram da elaboração do documento da OMS e, como a resistência aos antibióticos já é notada em estudos nacionais, alguns protocolos foram alterados antes mesmo da diretriz da organização ser divulgada.
A única mudança ainda pendente em alguns Estados é a retirada da ciprofloxacina do protocolo de tratamento da gonorreia.
Isso é feito em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde o ministério já havia identificado a circulação de cepas resistentes ao medicamento. Nos demais Estados, há estudos sobre o tema e o medicamento deverá deixar de ser usado até o fim do ano.
“O governo brasileiro é negligente com o zika”
30/08/2016 - Época Online
Um ano antes de a epidemia provocada pelo zika entrar para o noticiário mundial, em 2014, um time de médicos do sertão – formado por infectologistas, pediatras e obstetras – discutia no grupo de WhatsApp Chickv, a Missão (redução de Chikungunya, uma doença provocada por vírus e transmitida pelo mosquito da dengue) sintomas incomuns encontrados em moradores do Nordeste. As queixas dos pacientes incluíam coceira no corpo, febre baixa e vermelhidão, um quadro que não se encaixava em nenhuma doença conhecida. “Na minha cabeça, só podia ser zika”, disse o infectologista Kleber Luz em entrevista para o recém-lançado Zika, do sertão nordestino à ameaça global, escrito pela advogada e professora de bioética Debora Diniz.
A coleta de sangue começou em janeiro de 2015, mas as amostras enviadas para laboratórios brasileiros voltavam sem diagnóstico. Em abril, o vírus foi identificado. Em 21 de maio, o Ministério da Saúde (MS) validou a descoberta. A primeira geração de gestantes cujo cérebro dos fetos não se desenvolveu como esperado, num drama conhecido inicialmente como microcefalia, é de agosto de 2015. Em novembro, a obstetra Adriana Melo anunciou ter encontrado o vírus zika no líquido amniótico de dois fetos. Doze dias depois, o MS assumiu o protagonismo na descoberta – sem mencionar Adriana. “Se por um lado o Ministério da Saúde mostrou-se cauteloso para checar o que estava acontecendo e refazer os testes, por outro mostrou como é difícil ouvir o barulho do sertão.” E continua: “O zika mostrou que médicos sertanejos de leito, anônimos atentos ao adoecimento de uma multidão, descobriram que um novo vírus circulava no país.” Leia a íntegra da entrevista com Debora, infectada por zika durante a produção do livro.
ÉPOCA – Em seu novo livro, a senhora é dura com o trato do governo brasileiro à epidemia do zika, mas a avaliação da Organização Mundial da Saúde sobre a atuação do Brasil é positiva. Em que se baseiam as críticas?
Debora Diniz – O governo brasileiro é negligente. O causador da epidemia é um mosquito que o governo não combate há pelo menos 40 anos, o Aedes aegypti. Não se trata de uma luta perdida, mas de uma batalha na qual o Brasil nunca entrou. A segunda é falta de apoio às famílias cujos filhos nasceram com a síndrome congênita do zika [conjunto de sintomas comuns aos bebês, incluindo a microcefalia]. Não houve, por exemplo, alteração no benefício de proteção continuada, em que famílias com renda per capita de até R$ 220 podem receber um salário mínimo. Na prática, significa que apenas famílias extremamente vulneráveis, formadas por no mínimo quatro pessoas, têm direito a esse benefício. Com esse dinheiro a família precisa comprar fraldas, remédios, óculos de grau [as crianças têm problema de visão], comida, transporte e etc. O dinheiro não vai para a criança, que nasceu com múltiplas necessidades, mas para a família sobreviver. Além disso, o governo prevê apenas três anos de acompanhamento para as crianças com a síndrome, como se depois desse período elas milagrosamente deixassem de precisar dos tratamentos. Por essas e outras questões, um casal da Paraíba, cuja filha nasceu com a síndrome, entrou com a primeira ação jurídica no Brasil por danos morais.
ÉPOCA – O que sua investigação pelo sertão tem mostrado?
Debora – Nenhuma mãe voltou a trabalhar. Uma recente portaria do presidente interino, Michel Temer (PMDB), fixou que o auxílio materno só deve ser recebido depois do fim da licença-maternidade. O que este governo parece desconhecer é que essas mulheres sabem que não voltarão ao trabalho já na licença, porque é isso o que acontece com as mães de crianças com múltiplas necessidades. Imagine que essa mulher sabe que não retornará ao trabalho, o que vai gerar um impacto financeiro importante na renda da casa, e que ela precisa esperar terminar a licença para, então, entrar com o pedido para receber o benefício – não há garantia se vai ou não acontecer. Quem vai ajudar essa família enquanto o dinheiro não chega? E se o dinheiro não chegar?
ÉPOCA – Uma das bandeiras do governo brasileiro é a eficiência dos centros de referência, as unidades de tratamentos múltiplos nas capitais. A senhora visitou os do Nordeste. Qual é sua avaliação?
Debora – Os centros não comportavam nem as crianças que já eram atendidas, e agora têm essa nova demanda. Para as mães do interior chegar aos centros, não raro, precisam do veículo da prefeitura, que não está disponível apenas para elas. A realidade das mães do sertão é levar de duas a três horas para chegar a um centro, fazer o atendimento de até uma hora e, então, levar o mesmo período para voltar para casa. Alguns exames elas não conseguem liberação para fazer. A lista de medicamentos que não chega ao posto de saúde é gigantesca. A criança que precisa de duas ou três sessões de fisioterapia faz uma. As 150 mães da Paraíba, carentes de atendimento psicológico, por exemplo, contam com uma psicóloga. Essa é a realidade dos centros de referência.
ÉPOCA – A senhora revela, no livro, a história da primeira mãe, a italiana Sofia Tezza, a questionar a ligação entre o zika e a microcefalia. Qual é a importância da dúvida dessa mulher?
Debora – Sofia era casada com um brasileiro, separou-se aos seis meses de gestação e voltou para a Europa. Lá, soube que o desenvolvimento cerebral do feto estava aquém do esperado. Por e-mail, Sofia conversou com um médico brasileiro e fez a pergunta central: um arbovírus, no caso o zika, pode ultrapassar a placenta? Esse e-mail ficou guardado numa caixa postal por muito tempo. Meses depois, quando muitos fetos foram diagnosticados com comprimento cefálico anormal, a obstetra Adriana Melo, do interior da Paraíba, fez o mesmo questionamento. Primeiro perguntou como é que, até aquele momento, não avaliaram os fetos. Então, com aval das pacientes e dos respectivos maridos, colheu o líquido amniótico das placentas e testou ambos para o zika. Com os resultados em mãos, sentiu medo de que desacreditassem numa médica do interior da Paraíba e foi à imprensa divulgar os resultados positivos. O que esse processo mostra? Que as pacientes perderam o medo de confrontar os médicos, e que isso pode ajudar a produzir conhecimento.
ÉPOCA – Qual é o impacto do zika na vida de uma mulher em idade reprodutiva?
Debora – É algo imensurável. Até agora a ciência não pode dizer se o bebê de uma mulher que teve zika antes de engravidar terá problemas, e as mulheres estão em pânico. Também não se sabe por que a epidemia avançou com tanta velocidade no nordeste, inclusive em regiões menos favorecidas economicamente. O zika, aliás, expõe essa outra fragilidade, a geografia econômica da epidemia. O pai do paciente zero, que menciono no livro, pediu que nem o nome dos filhos (são gêmeos, e um tem a síndrome congênita do zika) nem o da mulher fossem divulgados. Ele me disse que o filho dele não é o paciente zero, uma vez que os casos antes do filho dele podem não ter sido notificados. Por quê? Porque ele é um paciente da rede privada. Já os pais do sertão abrem suas casas e suas vidas para o mundo.
ÉPOCA – Semanalmente, o Ministério da Saúde notifica os casos suspeitos de Zika. Menos de um quinto recebeu diagnóstico da síndrome congênita do zika. Significa que os já liberados não terão problemas?
Debora – Não. As publicações mais recentes mostram que os critérios adotados pelo Ministério da Saúde na seleção são frágeis. As caravanas que percorrem o sertão estão mostrando isso também. Todos os bebês deveriam fazer exames de imagens para acompanhar o desenvolvimento cerebral. Estamos falando de mais de 8 mil crianças. Para esses pais, é uma angústia terrível de como a vida será.
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